Cultivo de hortas domésticas serve como terapia e combate ao aumento de preços

MANAUS – Economia e terapia são os principais motivos para as pessoas aderirem ao cultivo de hortas domésticas. É o que afirmam adeptos da prática. Com o aumento nos preços de verduras, legumes e até ervas medicinais, alguns optam pelo plantio em casa como forma de manter a alimentação mais saudável sem comprometer o orçamento.

É o caso do advogado Tales Benarrós de Mesquita, de 49 anos. Ele conta que foi na pandemia de Covid-19 que despertou para a possibilidade de dar um proveito diferente ao quintal, quando precisou ficar mais tempo em casa.

“Eu vi o quintal de casa, que tem um pé de acerola e um pé de goiaba araçá. E aí me veio a vontade de semear lá, apareceu um pé de jerimum que deu um jerimum muito grande e bonito. E aquilo me estimulou mais”, relatou. “O pé de acerola e de goiaba araçá já têm muitos anos lá em casa. E durante muito tempo eu não colhia, eles estragavam. Com a pandemia eu passei realmente a dedicar um tempo para colher”, contou.

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Com mais tempo em casa, Tales começou a colher os frutos do pé de goiaba e acerola (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas as idas ao supermercado também foram determinantes. “Com toda essa situação que a gente vive hoje de inflação, eu fui comprar um chazinho desses de sachê que a gente compra em supermercado, está custando quase R$ 5. Aí me veio da ideia: ‘por que eu não planto capim-santo, cidreira, hortelã?’. Além de serem naturais, estão no seu quintal, vão sair mais baratos”, disse.

Tales começou a cultivar banana e abacaxi. “Por exemplo, além de não ser tão saudável, se eu for comprar uma Pepsi Cola, Soda Limonada, Guaraná Antártica, custam em média R$ 6. Eu consigo com uma aceroleira gratuitamente [uma bebida], a mesma coisa com a goiaba araçá”, explicou.

“Por ter um quintal com 40 metros quadrados para plantar, que é pequeno, mas estou otimizando, eu acredito que eu deva economizar ali, de início, com uma plantação pequena, próximo de R$ 50. Já é muito. Se você for somar por ano dá R$ 600 anuais. E isso hoje. Porque as perspectivas em relação à inflação ainda são de que ela aumente”, disse.

O advogado já consome parte do que plantou. “A bananeira eu ainda não colhi, o primeiro pé eu plantei no final de novembro. Vai fazer seis meses, mas ela já está grandinha, já deu um filhote. O abacaxi a mesma coisa. O capim-santo eu já consigo colher. E o boldinho eu já posso usar”.

Tales não descarta a renda extra. “O principal objetivo é esse: a alimentação que você produz. E o excedente, você pode ter uma renda extra”. Ele planeja aumentar a horta. “Eu ainda tenho como meta plantar alface, couve, cheiro-verde e cebolinha”.

Em consulta a supermercados locais, o preço médio do quilo da banana prata é de R$ 5,19; do abacaxi, R$ 3,99; tomate, R$ 14,99; cará roxo, R$ 14,79; alface, R$ 3,89; couve, R$ 2,19; e cheiro-verde, R$ 1,99.

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Tomate, feijão de corda e pimenta cultivados na horta doméstica de Rita Taniguchi (Fotos: Arquivo Pessoal)

A gestora ambiental Rita Taniguchi mora há dez minutos de um shopping e mostra que é possível ter uma horta diversificada no ambiente urbano. Ela conta que sempre gostou de mexer com a terra e plantas de um modo geral e há muito tempo faz experimentos com vasos e no chão.

“Nesses anos já testamos tomates, pimenta de cheiro, feijão de corda, chicória, cebolinha, inhame, batata doce, abóbora, manjericão, hortelã, capim-santo, cúrcuma, mangarataia, entre outros”, disse.

Rita acredita que o poder público deveria incentivar a prática, incluindo a atividade em um IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) verde, por exemplo.

“Acredito que toda família que tenha um pedacinho de terra deveria ser incentivada a plantar. O cultivo de hortas em casa, nas escolas e em espaços públicos poderiam ajudar famílias em situação alimentar vulnerável a ter acesso a comida com qualidade. No mais, além do alimento em si, o cultivo é muito prazeroso, servindo até como terapia”, pontuou.

Além disso, segundo a gestora ambiental, ter um quintal cultivado contribui com alimentos para a fauna urbana, além de melhorar o microclima da região.

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Rita Taniguchi também investe em árvores frutíferas para consumo próprio (Fotos: Arquivo Pessoal)

Rita também colhe frutas, como acerola, banana e ingá. Ela explica que não usa produtos químicos. “Usamos restos de vegetais como cascas de frutas, verduras e legumes, de ovos, borra de café. Depositamos no quintal junto com a matéria orgânica em decomposição e colocamos nas raízes das plantas”, afirmou.

Plantas Não Convencionais

Ricas em nutrientes, a chamadas Panc (Plantas Alimentícias Não Convencionais) podem ter espaço nas hortas em casa. A empreendedora social e ativista alimentar Renata Peixe-Boi, 38 anos, cultiva plantas não-convencionais em casa desde 2009.

“O que me motivou foi a experiência familiar, minha mãe que sempre cultivou em casa. E o ativismo ambiental, que neste ano passou a ser mais focado na alimentação”.

Renata conta que sempre tem algo para comer no jardim, desde os alimentos mais conhecidos aos menos comuns. “Aqui tem uma diversidade muito grande de espécies. Frutíferas tem coco, jabuticaba, carambola, acerola, laranja-kinkan, rambutão dando. Que vai dar tem araçá-boi, cupuaçu, araticum, laranja-de-cerca e outras coisas que nem sei”.

Ela descreve como uma espécie de pequena floresta. “Vamos em breve cortar três pupunheiras que estão atrapalhando. Delas tiraremos palmito. De batata tem cará-do-ar dando, tem ariá, araruta e batata-doce também. Ora-pro-nóbis, cariru, erva-de-jabuti, espinafre-indiano, espinafre-amazônico. Muita coisa, mas nada convencional. Tem flores comestíveis também, árvore de canela, plantas medicinais”.

Renata doa parte do que é plantado. “O vizinho, por exemplo, sempre pega limões. As amigas da minha mãe hoje se beneficiam mais”, contou.

O técnico agrícola e engenheiro agrônomo Simão Silva, 46 anos, também valoriza plantas não tradicionais. “Nas casas que morei sempre tive plantas comestíveis. Mas não trabalho com o conceito convencional de horta doméstica e sim de quintal agroflorestal com enfoque nas Panc”, disse.

“Se tivesse que comprar o que consumo do quintal talvez daria uns R$ 300 por mês”, estimou.

Simão afirma que para uso como hortaliças cultiva chaia, ora-pro-nóbis, taioba, moringa, capeba, erva de jaboti, folhas de cajá, folhas de tamarindo, pepino do mato, folhas da videira, jambu, vinagreira, erva-santa, açafrão, cariru, entre outras. Entre as frutíferas, a principal é a bananeira, que o engenheiro usa para a produção de biomassa.

Benefícios

Além do alimento e economia, Thelma Pontes, agrônoma e doutoranda em Ecologia Tropical no Centro de Investigações Tropicais da Universidade Veracruzana no México, acrescenta que há os benefícios para a saúde.

“Primeiramente para a saúde da família, saber como foi produzido o alimento que se está consumindo, com quais práticas e saber que é um alimento rico, nutritivo e saudável e que vai beneficiar sua saúde como um todo”, pontuou.

Há ainda os benefícios para a saúde mental e emocional. “Cultivar desperta lembranças afetivas de infância. Para quem viveu perto da terra, desperta sentimentos de amor, de reciprocidade com o planeta, de gratidão pelo alimento semeado, cuidado e colhido”.

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