Semelhanças geográficas e humanas da Região Norte tornam comuns alguns dos desafios a serem encarados pelos futuros prefeitos das quatro capitais que terão segundo turno nas eleições deste domingo (27). Belém, Manaus, Porto Velho e Palmas vivem sérios problemas habitacionais e fundiários. Há também muito por fazer com relação aos índices de violência e a serviços públicos falhos, principalmente na área de saneamento, com impactos significativos na área de saúde.As informações são da Agência Brasil.
Professor do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Luiz Araújo Sobrinho é autor de pesquisas sobre cidades da Amazônia. Ele desenvolveu diversos estudos relacionados a planejamento urbano e regional. Alguns deles, voltados a serviços e aspectos econômicos desta e de outras regiões.
Com relação às quatro capitais que elegerão seus prefeitos para os próximos quatro anos, ele elenca um conjunto de cinco problemas estruturais a serem enfrentados: a regularização fundiária, a promoção da habitação social, o saneamento básico, os serviços públicos e o combate à violência
Políticas públicas, saneamento
O professor do Departamento de Geografia da UnB acrescenta que alguns destes problemas não são resolvidos em curto prazo, motivo pelo qual é fundamental que os políticos e gestores locais tenham consciência da importância de se dar continuidade às políticas públicas de bom resultado adotadas por seus antecessores, e que, depois, seja dada continuidade por seus sucessores.
“Infelizmente não vamos resolver tudo isso de um dia para outro. É um processo que vai demorar alguns anos e algumas gestões municipais, além de serem necessárias articulações com os governos federal e estaduais. É o caso, por exemplo, do saneamento, uma questão bastante importante na Amazônia brasileira. Trata-se de um indicador que está em situação muito mais vulnerável do que em outras regiões brasileiras”, disse à Agência Brasil o pesquisador.
Fernando Sobrinho explica que a questão do saneamento não está restrita a redes de água e esgotos, abrangendo também coleta do lixo e extinção das áreas de descarte chamadas lixões. “Se você tem uma cidade que 80% da área urbana não é servida de saneamento básico, nenhum prefeito, por mais que haja um cenário positivo, irá solucionar esse problema em um ou dois mandatos”.
Violência, regulação fundiária
A violência é também um sério problema a ser enfrentado. Com o agravante de a região fazer fronteira com países produtores de drogas, tornando-se rota para o tráfico de cocaína e, também, de armas. O cenário acaba facilitando o aliciamento de jovens dessas cidades para o crime.
“Tem sido muito presente na realidade das cidades da Amazônia brasileira a questão da violência das facções, e dos conflitos por disputa de área de interesse, como o mercado e o tráfico de drogas, armas e, também, de pessoas. Preocupação especial deve se ter em relação ao aliciamento dessas facções criminosas em cima dos mais jovens”, detalhou Sobrinho.
Segundo o professor, uma das questões centrais que também afeta as cidades na Amazônia é a da regularização fundiária, algo que, até pelas características da região, tem relação com a questão habitacional, uma vez que é grande o número de pessoas que se deslocam para a localidade, na busca por uma vida melhor.
“Temos uma série de legislações, tanto federais e estaduais como municipais, que travam os processos de regularização. Há quase uma institucionalização da informalidade urbana, porque as cidades crescem sem planejamento e sem uma legislação que ampare esse crescimento urbano. O resultado é a expansão para áreas irregulares”, disse o professor ao lembrar que habitações regularizadas são ponto de partida para acesso a políticas públicas.
“Até mesmo Palmas, cidade planejada que é a capital mais nova do Brasil, nasceu sob a égide deste problema antigo, que é a falta de regularização fundiária”, acrescentou.
Mudanças climáticas
Uma outra questão a ser encarada, não apenas pelos prefeitos dessas cidades, mas de todos os municípios da Amazônia Legal, é a dos efeitos das mudanças climáticas na região.
A Amazônia tem passado por sucessivos anos de secas extremas. E seus rios têm papel fundamental para a conectividade e para a comunicação entre as populações da área rural; entre as cidades; e entre a região Amazônica e outras regiões do mundo.
“Isso, de certa forma, afeta a vida nesses municípios, tanto no sentido da conectividade como para a manutenção da vida, uma vez que a população ribeirinha e a população urbana dependem da água desses rios. A mudança nos padrões climáticos verificada nos últimos anos mostra que precisamos pensar em como essas cidades enfrentarão desafios globais como as mudanças climáticas em curso”, argumentou.
Pretos, pardos e indígenas
A fim de qualificar o debate eleitoral e apontar prioridades para as futuras gestões municipais do país, o Instituto Cidades Sustentáveis preparou um levantamento sobre os grandes desafios das capitais brasileiras. Ele comprova que, nas quatro capitais onde haverá segundo turno, a violência atinge, de forma bem mais frequente, grupos de jovens pretos, pardos e indígenas.
De acordo com o coordenador geral do Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão, “a questão da violência, tendo como recorte os jovens, mostra que estamos perdendo nossa juventude, que é o futuro do país. Isso deve ser encarado com muito cuidado nessas cidades de uma forma geral”.
Ele explica que, quando se fala especificamente da Região Norte, o grande desafio está bastante relacionado às questões das desigualdades sociais. “E, aí, tem uma série de recortes que podem ser abordados. Mas o enfrentamento de questões relativas à saúde, educação e geração de oportunidades de emprego são sempre são levantadas ente as preocupações dos eleitores”.
Ele cita alguns dados do levantamento, mostrando quais devem ser as prioridades dos futuros prefeitos, segundo os eleitores. Saúde foi citado por 60% das pessoas; educação, por 40%. Na sequência, são citadas geração de oportunidades de trabalho e renda, seguido de segurança.
“Quando a gente pega a questão do homicídio juvenil masculino, a gente percebe que há uma discrepância muito grande nessas quatro cidades. Manaus, por exemplo, é uma cidade em que morre nove vezes mais jovens negros do que jovens brancos. Esse número é ainda maior em Belém. Em Palmas e Porto Velho, ele é um pouco menor, em torno de seis vezes, mas ainda são muito elevados”, detalhou o coordenador do Cidades Sustentáveis.
Um indicador que reforça a necessidade do enfrentamento à desigualdade nessas cidades é o da idade média ao morrer. “Esse é um indicador importante porque integra muitos outros indicadores”, explica Jorge Abrahão.
Segundo ele, nota-se que baixas idades médias ao morrer ocorrem nas localidades onde o homicídio de jovens é mais frequente, ou em lugares onde os serviços de saúde ou educação são precários.
“A mortalidade infantil mais elevada também reduz essa média, assim como a questão do saneamento, que gera doenças que efetivamente podem levar a óbito. Tudo isso é uma síntese de uma questão [maior], envolvendo o problema da desigualdade [social]”, acrescentou o coordenador do instituto.
De acordo com o levantamento, as quatro capitais apresentam indicadores mostrando que as populações de pretos, pardos e indígenas morrem em idade mais baixa do que brancos e amarelos.
“Existe, de novo, uma diferença grande aí. Em Belém, a idade média ao morrer dos brancos é de 73,4 anos. Na população negra, é de 64,7 anos. Temos aqui uma diferença de 8,7 anos. É um problema que denota uma questão muito forte em relação a uma população vulnerável que deve ser efetivamente atendida”, argumentou.
Na capital do Pará, o índice de homicídio juvenil masculino de brancos e amarelos é de 1,6 por 100 mil habitantes. Tendo como recorte pretos, pardos e indígenas, este índice sobe para 27,2.
Em Manaus, a situação é parecida. A cada 100 mil habitantes, há um total de 52,4 homicídios de jovens pretos, pardos ou indígenas. No caso de brancos ou amarelos, este número cai para 5,9 mortes. Já a idade média ao morrer de brancos e amarelos é 64,2 anos, enquanto a de pretos, pardos e indígenas é de 58,1 anos.
*Com informações da Agência Brasil
Foto: Janailton Falcão/Amazonastur