Escritores do AM criticam taxação de livros: ‘Favorece analfabetismo’

O novo Projeto de Lei do ministro Paulo Guedes pode tornar os livros mais caros e diversos escritores, leitores e entidades representativas do setor literário se manifestaram contra a proposta

Manaus – O escritor e editor Monteiro Lobato formulou a famosa frase “um país se faz com homens e livros”, e anos depois, o editor José Olympio acrescentou: “…e ideias”. Leitores, escritores, editoras e entidades representativas honraram o legado da literatura no Brasil e se manifestaram nos últimos dias contra o Projeto de Lei nº 3.887/2020, apresentado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, que pode tornar os livros mais caros.

A proposta prevê a extinção da contribuição PIS/Cofins e o fim dos benefícios dados a diversas empresas, taxando o livro em 12%. A defesa do projeto por Paulo Guedes, que afirmou que os mais pobres ‘’estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias’’, desagradou, e a declaração observa os livros como um produto de elite.

A prática da leitura realmente ainda não está totalmente presente entre os brasileiros. De acordo com os dados da pesquisa Retratos da Leitura do Instituto Pró-Livro, realizado em 2016, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro.

“As livrarias, desde já, estão fechando, pois ninguém mais compra livros. As editoras têm dificuldades em distribuir essas obras. Isso não é uma questão voltada para melhorar a economia, senão a taxação seria em outro ‘produto de luxo’, não no livro”, defendeu o compositor, poeta e jornalista amazonense Aldisio Filgueiras.

Um dos maiores nomes da literatura no Amazonas, Filgueiras tem uma longa trajetória no ramo e a visão dele sobre a taxação é negativa.

“É um ataque contra o Brasil. O livro deveria ser mais acessível do que é, pois a salvação de um país é pela inteligência. Qualquer país, em uma boa situação, optou por investir na educação e democratizar o acesso à cultura. Sem o conhecimento não há progresso’’, argumentou o poeta.

O desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), prova feita em 70 países com estudantes entre 15 e 16 anos, colabora com o quadro desanimador da leitura no Brasil. O resultado da última avaliação, realizada em 2018, mostrou que 50% dos estudantes brasileiros estão abaixo do nível básico em leitura.

Os números representam um grande obstáculo na educação do Brasil, dificultando ou até mesmo impedindo que estudantes avancem nos estudos, tenham melhores oportunidades no mercado de trabalho e participem plenamente da sociedade.

“O Amazonas não tem uma atualização nas bibliotecas públicas há muito tempo, além dos livros didáticos. O prejuízo que essa taxação terá nas classes mais baixas é preocupante, é um incentivo ao analfabetismo no Brasil’’, analisou o escritor e jornalista amazonense Márcio Souza.

“O problema é que mesmo o preço do livro como está hoje, o poder aquisitivo do brasileiro é baixíssimo. Se esses valores aumentarem, vai ser um desastre cultural e um subdesenvolvimento na educação do país. É mais uma etapa de corrosão no Brasil’’.  

Educação e Cultura

Frente às dificuldades já existentes, a reforma tributária torna os livros ainda mais inacessíveis e, por consequência, precariza a educação e a cultura, de acordo com a professora Kássia Carla.

“Hoje, o mercado editorial no Brasil já apresenta valores altos. Concordo que as editoras e autores possuem custos e merecem ser remunerados, mas essa taxação não torna os livros mais atrativos, pelo contrário’’, defende Carla.

A principal defesa de Paulo Guedes insiste que quem consome os livros – os mais ricos – não teria problemas em pagar valores mais altos. O argumento, no entanto, não abrange o custo obrigatório de livros didáticas, que também se tornaram preocupação para os consumidores.

“Não são apenas os livros, mas os materiais didáticos também serão afetados. Tem o custo dos livros comprados pelo Estado nas escolas públicos e dos pais em escolas particulares, que, muitas vezes, não necessariamente são ‘ricos’ pelo esforço em dar uma educação mais digna aos filhos’’, deliberou o professor Reinaldo Melo.

Além da preocupação educacional, leitores e escritores notaram que a democratização da cultura literária será atingida pelos preços. O escritor Alex Marques, afetado diretamente pela proposta, se mostrou negativo à taxação, apesar dos maiores ganhos monetários pessoais que estão previstos na reforma tributária.

“Taxar os livros os tornarão inacessíveis e deve haver menos circulação ainda, pior que o estado atual. Eles têm medo pois sabem que centenas de críticas às sujeiras deles têm sido feitas em várias obras nacionais, fora que livros instruem e eles abominam conhecimento’’, criticou o escritor.

Leitores também se opuseram à proposta, afirmando que o acesso às obras será menor. A autônoma Brenda Leal, ressaltou que “com os preços atuais, já é difícil o brasileiro ler, imagine com o aumento. Mas a taxação não me surpreende nada, é de interesse de qualquer político manter a massa com o mínimo de educação e conhecimento possíveis, para que não pense muito e seja mais fácil de controlar’’.

Em Defesa do Livro

A tributação sobre os livros também recebeu críticas de entidades representativas do setor. Em um manifesto chamado Em Defesa do Livro, as entidades reconhecem a necessidade da reforma e da simplificação tributária no Brasil, mas apontam que “não será com a elevação do preço dos livros — inevitável diante da tributação inexistente até hoje — que se resolverá a questão”.

No manifesto, as entidades levantaram diversos pontos que devem ser ponderados na reforma tributário, entre eles, a importância da leitura como fonte de educação e crescimento intelectual, de formação de cidadãs e cidadãos, de difusão da cultura e da informação qualificada.

‘‘Não há dúvidas de que a popularização do livro teve, e ainda tem, papel fundamental no aumento da educação do brasileiro’’, defende o manifesto, ‘‘qualquer aumento no custo, por menor que seja, afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo’’.

O documento relembra, ainda, a decisão unânime em abril de 2020, do Supremo Tribunal Federal (STF), em reconhecer que o direito à isenção tributária do livro se estendia também aos leitores eletrônicos e outras providências em favor da isenção.

‘‘Está na tradição da formulação das leis brasileiras e na história das decisões jurídicas, bem fundamentadas e analisadas em vários períodos diferentes da nossa história, que o livro é disseminador de conhecimento em lato senso, e que deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira’’.

Fonte: Em Tempo

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